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Direito social à moradia como ponto de partida dos direitos fundamentais

Publicado em 06/04/2016 08:45
Autor(a): Isabella Faustino Alves e Pedro Alexandre Conceição Aires Gonçalves
Direito social à moradia como ponto de partida dos direitos fundamentais - Foto: Loise Maria

Na música popular brasileira, certa vez um cearense cantou que “quem é rico mora na praia, mas quem trabalha não tem onde morar...”. A composição data de 1991 e descrevia a triste realidade da desigualdade social brasileira. Apesar de já contar com mais de vinte e cinco anos, a canção ainda se faz atual, já que, em matéria de direito à moradia, muito pouco se avançou no país.

Segundo a Secretaria Nacional de Habitação, ligada ao Ministério das Cidades, o déficit de moradias no Brasil alcança quase 7 milhões de famílias, com base nos dados do último censo demográfico feito pelo IBGE em 2010. Ainda segundo o órgão federal, 85% deste déficit se concentra nas cidades, e 15% na zona rural.

Ou seja, de acordo com dados oficiais (em regra a contabilidade dos movimentos sociais apresenta um incremento dessa conta), aproximadamente 30 milhões de brasileiros nas cidades e nos campos aguardam a efetivação desse direito básico, pressuposto para o exercício de outros direitos, inerente à cidadania, um dos fundamentos de nossa República.

A efetivação do direito à moradia digna, além de pressuposto ao exercício de diversos outros direitos e ao pleno exercício da cidadania, é exigência que decorre de diversos diplomas internacionais – tais como a Declaração Universal dos Direitos Humanos e o Pacto Internacional de Direitos Sociais, Econômicos e Culturais − e da imperiosa necessidade de se erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais, nobre objetivo de nossa República, também expresso na Constituição Federal.

Neste contexto, a Constituição Federal de 1988, centrada na dignidade da pessoa humana, dedicou especial atenção ao direito à moradia. Apesar de sua redação original não contemplar, de forma literal, o direito à moradia, a interpretação dos direitos e garantias individuais e sociais conjugada com o regramento da política urbana e agrária, à luz do postulado da dignidade da pessoa humana (princípio fundamental da República Federativa do Brasil), já conduziam à conclusão de que a moradia consistia direito fundamental social, oponível, inclusive, em face do Estado.

De todo modo, a fim de que não restassem dúvidas, a Emenda Constitucional n. 26/2000 trouxe reforço à normatividade do direito à moradia, incluindo-o, de modo expresso, no rol dos direitos sociais fundamentais. De igual maneira, diversos diplomas legais buscaram resguardar o direito à moradia nas cidades e no campo, tais como o Estatuto da Cidade, o Estatuto da Terra, o marco normativo de regularização de territórios quilombolas e de demarcação de terras indígenas, as leis de regularização fundiária urbana e rural, os quais consistem em instrumentos que visam a conferir efetividade a este direito social.

Não obstante, o que se constata nas cidades, em escala global, é o crescimento das favelas e assentamentos irregulares, num verdadeiro processo de expulsão das famílias de baixa renda das áreas centrais, não raro destinadas à especulação imobiliária. Nos campos, a situação também se apresenta preocupante, sobretudo porque a questão agrária brasileira permanece com problemas crônicos, como a grande concentração de terras com fins especulativos, a expansão desordenada do agronegócio, falta de assistência técnica aos pequenos agricultores, conflitos na demarcação de terras indígenas e omissão na regularização de territórios quilombolas. Todas essas questões constituem embaraços à efetivação do direito à moradia e fomentam conflitos no campo e na cidade.

Diante desse quadro, verifica-se que, apesar do amplo plexo normativo, a concretização do direito à moradia está longe de ser satisfatória. E o que é pior, a omissão deste direito tem um publico cativo, já que os brasileiros atingidos pelo déficit habitacional são justamente os mais pobres. Nesse ponto, vale destacar que o déficit habitacional contempla não apenas a falta de moradia (pessoas em situação de rua ou pagando aluguel), mas também a precariedade das habitações ou a ausência de serviços públicos essenciais (como acesso a água tratada, saneamento básico, energia elétrica e etc.).

Assim, em gravíssima afronta à Constituição Federal e aos demais instrumentos normativos − a par de tantos outros compromissos constitucionais dos quais os brasileiros, notadamente os mais pobres, são credores do Estado − também no que diz respeito à concretização do direito à moradia digna, ainda estamos demasiadamente atrasados.


Isabella Faustino Alves, defensora pública, coordenadora do NDDH – Núcleo Especializado de Defesa dos Direitos Humanos da DPE-TO – Defensoria Pública do Estado do Tocantins

Pedro Alexandre Conceição Aires Gonçalves, defensor público, coordenador do DPAGRA - Núcleo da Defensoria Pública Agrária da DPE-TO – Defensoria Pública do Estado do Tocantins

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