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MATOPIBA – o problema por trás da iniciativa

Publicado em 04/07/2016 09:08
Autor(a): Pedro Alexandre Conceição Aires Gonçalves / Mayumi Adati Guimarães
MATOPIBA – o problema por trás da iniciativa - Foto: Loise Maria

Uma terra pública da União que o Governo Federal decidiu atribuir função social mediante a criação de um assentamento de beneficiários da reforma agrária. Em sequência, passado certo tempo, conferiu outras atribuições a área: ser passagem da ferrovia norte-sul, incentivar a plantação de eucalipto ao redor do assentamento e ser sede da criação de uma hidrelétrica. O resultado da ação foi a esperada: a retirada das famílias anteriormente assentadas no local, já que exercer função social com a agricultura familiar não foi o suficiente. Essa é a história do Projeto Assentamento Formosa, no município de Darcinópolis/TO, mas é semelhante a  de muitos outros no Estado do Tocantins e tende a se repetir com frequência com a instalação do projeto MATOPIBA.

Segundo informações oficiais do sítio eletrônico da EMPRAPA, a expressão MATOPIBA foi composta utilizando-se um acrônimo criado com as iniciais dos nomes dos estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia. Consta de uma fronteira agrícola, criada pelo Decreto nº 8.447, de 6 de maio de 2015 que instaura o Plano de Desenvolvimento Agropecuário do Matopiba (PDA Matopiba), destinada a promover e coordenar políticas públicas de incentivo a produção agrícola e pecuária que, em tese,  deve ser sustentável e resultar na melhoria da qualidade de vida da população dos 337 municípios dos quatro Estados que compõem a região.

Contudo, como tudo na prática tende a tomar forma e corpo com o objetivo diferente do idealizado, o plano tem sido operado no sentido de beneficiar tão-só grandes e médios produtores, os empresários do agronegócio. As determinações do plano de trabalho e do decreto que deu origem a este PDA chegam até a fazer menção ao desenvolvimento socioeconômico e melhoria da qualidade de vida da população local. No entanto, a preocupação principal do projeto reside no aumento exponencial da produtividade em detrimento dos ideais constitucionais e de direitos fundamentais presentes nos próprios dados que explicam a proposta.

Dessa maneira, com o foco principal no cultivo de monoculturas de rápida, eficiente e grande produção, entregando estes projetos agrícolas ao médio e grande empresário do agronegócio, as comunidades tradicionais e o pequenos produtores da agricultura familiar ficam simplesmente alijados dos objetivos originais da criação do PDA Matopiba.

Os integrantes das comunidades afetadas por este projeto, acreditavam anteriormente ter somente um adversário a enfrentar, a figura do grileiro. Atualmente, descobriram que o adversário pode ser bem mais atroz, o Estado. O responsável por lhes prover e garantir os direitos básicos elencados na Carta Magna tornou-se o mesmo que desrespeita e desconsidera tais direitos.

De fato, a omissão estatal no exercício de políticas públicas do campo provoca problemas graves na questão agrária brasileira, como a grande concentração de terras com fins especulativos, a expansão desordenada do agronegócio, falta de assistência técnica aos pequenos agricultores, conflitos na demarcação de terras indígenas e omissão na regularização de territórios quilombolas.

E o PDA Matopiba, da forma como vem sendo pensado, incorre nos mesmos equívocos. Isto porque ao excluir os agricultores familiares e as comunidades tradicionais dos Estados envolvidos, em prol do financiamento exclusivo para médias e grandes propriedades, a execução do PDA Matopiba certamente fomentará não o desenvolvimento, mas sim o já intenso conflito agrário na região, notadamente no Tocantins.

Neste contexto, a Defensoria Pública do Estado do Tocantins, instituição destinada à defesa e orientação jurídica dos hipossuficientes e das pessoas em condição de vulnerabilidade econômica e social, vem tentando desenvolver medidas para a proteção destes segmentos em nosso Estado. São diversas as atuações junto aos entes da administração pública estadual e federal a fim de que se proceda a regularização fundiária dos grupos de pequenos agricultores, comunidades tradicionais quilombolas e indígenas. Entretanto, a execução das políticas públicas para estes grupos ainda anda a passos lentos, o que tem dificultado a pacificação social no campo.   

Não custa rememorar que a defesa dos grupos vulneráveis do campo não é incompatível com a política de fomento das atividades ligadas ao agronegócio. Ao revés, a situação de tranqüilidade e segurança jurídica fundiária favorece o desenvolvimento destas atividades. Entretanto, a prioridade de execução das políticas públicas deve ser inversa, com atenção especial e primeira aos grupos vulneráveis. A iniciativa do PDA Matotiba, neste momento sensível de crise econômica, tem sua relevância. No entanto, com planejamento e sensitividade aos direitos sociais, não se faz necessário sacrificar o pequeno produtor, o quilombola, o índio, o posseiro da agricultura familiar, enfim,  o homem do campo e sua família.

Pedro Alexandre Conceição Aires Gonçalves é defensor público e coordenador do DPAGRA – Núcleo da Defensoria Pública Agrária da Defensoria Pública do Estado do Tocantins

Mayumi Adati Guimarães é servidora do DPAGRA – Núcleo da Defensoria Pública Agrária da Defensoria Pública do Estado do Tocantins

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