O Seminário Jurídico “Da Seletividade do Direito Penal à Estigmatização da Execução Penal”, realizado pela Defensoria Pública do Tocantins, nesta sexta-feira, 7, abordou temas como Direito Penal e atuação dos juízes criminais, com debates importantes sobre execução penal com a presença de palestrantes renomados, estudantes e profissionais do Direito do Estado.
O evento, organizado por meio do Centro de Estudos Jurídicos – CEJUR, e Núcleo de Defesa e Assistência ao Preso – NADEP, faz parte da Campanha Nacional Pelo Direito de Recomeçar, e marca também o lançamento do documentário “O Raio-X do Sistema Prisional do Tocantins”. Participam profissionais e estudantes da área do Direito, a corregedora geral da Defensoria Pública, Estellamaris Postal, o subdefensor geral, Alexandre Augustos Elias El Zayek, o presidente da Associação dos Defensores Públicos do Tocantins, Fábio Monteiro Sousa, e o juiz de Porto Nacional, Alessandro Hoffman.
A coordenadora do NADEP, defensora Franciana Di Fátima, destacou que o Tocantins tem um momento crucial de escolha, de continuar da forma como está ou modificar o Sistema, pois o que se tem hoje são condições desumanas de encarceramento, e se usa a lei dos animais para os presos. “Se estamos produzindo bichos, eles vão responder como tal, se mal tratados responderão com violência, se bem tratados o caminho é outro e nós somos responsáveis em escolher o caminho. A oportunidade é agora de discutir o tema e buscar ser diferentes”.
O defensor público geral, Marlon Costa Luz Amorim, lembrou que o documentário retrata de forma realista a situação do Tocantins, e que o principal desafio é a quebra de preconceitos. “Temos muita resistência quando falamos de ressocializar os presos, é uma luta árdua que encampamos e queremos vencer. Estigmatizar não resolve, precisamos tirar o preconceito e oportunizar. O nosso Estado conta com um sistema carcerário ainda pequeno e podemos mudar a situação, porque todos tem o direito de recomeçar”.
O juiz Alexandre Bizzotto foi o primeiro palestrante, parabenizou ao Tocantins por ter uma Defensoria Pública atuante e Defensores Públicos tão apaixonados pela profissão e defesa dos menos favorecidos, e lamentou o fato de o estado de Goiás, onde atua, ainda não possuir tal Instituição. O tema abordado por Biazzoto tratava do “Juiz Criminal na Execução Penal: Controlando a Caixinha de Maldade”, onde destacou que o Brasil tem a quarta população carcerária do mundo, e é conhecido como o país das impunidades. Destacou que vivemos num regime de covardia pelo medo e que a grande parte dos magistrados tem medo de julgar. Desabafou que às vezes se questiona na sua atuação sobre se está dando benefício ou aplicando a maldade e conclamou a todos que não se esquecessem da dignidade humana, o ser humano como o centro, que se pensasse na família do preso que sofre o estigma de ter alguém incorreto na família, que sofre com o descaso e com a condenação. Finalizou citando Eduardo Galeano onde o autor lembra que “A justiça tapa os olhos para não ver de onde vem o que delinqüiu, nem por que delinqüiu, o que seria o primeiro passo de sua possível reabilitação”.
A advogada Daniela Carvalho Portugal, a segunda palestrante da manhã apresentou a palestra “O Direito Pena e a teoria dos precedentes: uma (re)leitura da aplicação da norma penal”. Refletiu sobre quem o direito defende e quem ele está punindo. Lembrou que no país os mais comuns são os crimes contra o patrimônio, tráfico de drogas o que revela de certa forma o controle político. Afirmou que o Direito Penal é seletivo porque seleciona pessoas e diz quais são as condutas que devem ser alcançadas. Defendeu que todos os operadores do direito em especial os juízes, defensores públicos e promotores públicos conheçam as penitenciárias, o que acontece lá dentro, entendam a problemática da superlotação e ajam de acordo ao real. Recomendou aos profissionais do direito uma postura ativa vinculada ao combate a seletividade e a estigmatização, deixar de lado a passividade e abraçar essa causa.
Já na segunda etapa foram realizadas mais três palestras. A promotora de justiça do Pará Ana Cláudia de Basto Pinho trouxe a experiência de mais de 20 anos de atuação no Ministério Público, alertou que nos dias de hoje não é mais possível falar em direito injusto, que não acredita no Direito Penal, pois ele não ressocializa e porque não se pode impor ao outro um comportamento a seguir, e ainda que a pena não tem nenhuma função. Acredita que um dos caminhos é a política de redução de danos, e que a luta é pela implementação de políticas púbicas condizentes com a realidade, pois hoje o preso e o pobre são duas vezes penalizados, primeiro por ser cliente preferencial do Sistema Carcerário, segundo por não ter dinheiro e acesso ao conhecimento da legislação e de seus direitos.
O professor doutor Tarsis Barreto Oliveira debateu sobre a Semiótica do poder da manipulação do discurso jurídico-penal, onde fez várias críticas e também a cultura punitiva, levantando ainda a questão do que legitima a criação das normas penais.
Fechando o Seminário foi a vez do procurador da república Paulo de Souza Queiroz. Ele defende que o direito penal não existe, que o direito está em cada um de nós, que da forma como está hoje representa muito mais uma construção social arbitrária; que é preciso pensar em um novo modelo de polícia e fazer valer as regras do Direito Penal no Direito Processual. Conclui que o sistema penal é seletivo e vai continuar sendo, que o direito não está nos fatos e nas leis e sim em nós; que o direito precisa passar por uma reforma estrutural e mudar a forma de aplicar o Direito Penal.
Para o estudante do 6º período de Direito Icaro Souza Vieira, o Seminário foi um divisor de águas. “Direito Penal é visto pela sociedade e, consequentemente, pelos alunos de direito como uma “solução” das mazelas sociais, pois ele extirpa os maus elementos do nosso convívio ainda que selecionando as pessoas que serão punidas. O Seminário veio com o papel de abrir os olhos e a mente dos alunos e alguns profissionais da área aqui presentes. Sairão daqui hoje pessoas uma visão bem mais expandida e até modificada. Hoje, foram mostradas opiniões que todos até possuíam ou que nunca haviam pensado. Resumindo, o evento contribuiu para o bem de todos, sem exceção”.
Autora: Alessandra Bacelar