O Supremo Tribunal Federal (STF) suspendeu uma ordem de reintegração de posse que ameaçava 84 famílias da comunidade da Serra do Lajeado, em Palmas. A decisão liminar, assinada pela ministra Cármen Lúcia e comunicada ao Poder Judiciário do Tocantins na sexta-feira última, 14, reconhece a vulnerabilidade social das famílias, condição evidenciada por elementos técnicos apresentados pela Defensoria Pública do Estado do Tocantins (DPE-TO), por meio do Núcleo da Defensoria Pública Agrária e Ambiental (DPAgra).
Conforme o DPagra, que esteve in loco na sexta-feira, o conflito agrário entre trabalhadores rurais e um grupo de produtores de soja já dura uma década, estando em disputa a posse dos lotes 19 e 19-A, da região da Serra do Lajeado.
“Um novo relatório, detalhando as constatações da visita e reforçando a condição de vulnerabilidade da comunidade será juntado aos autos em breve. Esta atuação cumpre a missão institucional da DPE-TO e as atribuições do DPagra de prestar assistência jurídica qualificada e integral em prol dos trabalhadores rurais”, destaca a coordenadora do Núcleo, defensora pública Kenia Martins Pimenta Fernandes.
Inspeção in loco
Na visita técnica, a equipe do DPagra prestou atendimento coletivo e avaliou, novamente, as condições de vulnerabilidade que haviam sido desconsideradas pelo juízo de primeiro grau. A reunião ocorreu na sede da Associação dos Produtores Rurais da Serra do Lajeado (APRSL).
Durante o encontro, a Defensora Pública e a defesa particular da Associação orientaram as famílias sobre os caminhos processuais e reforçaram a importância da atuação conjunta para reverter o despejo. Após a reunião, a equipe visitou algumas residências da área e constatou moradias precárias, ausência de fornecimento de energia elétrica e de saneamento básico, elementos que agravam a situação de risco social.
O presidente da APRSL, Jesuilson Alves Farias, destacou a assistência da Defensoria Pública ao longo do conflito. “É importante pra nós, porque a gente passou por um momento muito difícil. E através da Defensoria é que nós estamos aqui hoje. Se não fosse a Defensoria, já teria 40 dias que nós iríamos ter saído fora”.
Levantamento do Dpagra aponta que a comunidade abriga idosos, crianças e pessoas com deficiência. As famílias sobrevivem da agricultura de subsistência, cultivando feijão, mandioca e hortaliças, além da criação de aves e suínos, garantindo a própria segurança alimentar.
Entenda o caso
A ação de reintegração de posse (5ª Etapa) foi movida contra a Associação dos Produtores Rurais da Serra do Lajeado e outros requeridos, com pedido de retomada dos lotes 19 e 19-A. Após participar de reunião organizada pela Polícia Militar, em setembro último, para planejar o cumprimento da ordem de despejo, o DPagra peticionou nos autos alertando sobre a presença de famílias em situação de sociovulnerabilidade e solicitando a suspensão da medida.
A DPE-TO também pediu a citação por edital de terceiros interessados, moradores não mencionados na ação, e o encaminhamento do caso à Comissão de Soluções Fundiárias (CSF) do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), conforme previsto na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 828 e na Resolução 510/2023 do CNJ.
Na decisão, a Justiça acatou o pedido para citação por edital e concedeu prazo de 60 dias para desocupação voluntária.
Após essa manifestação, a Associação ajuizou a Reclamação (RCL) 87.379 no STF. Na decisão, a ministra Cármen Lúcia reconheceu que a vulnerabilidade social estava demonstrada e corroborada pela atuação da Defensoria Pública, destacando o papel da instituição como custos vulnerabilis [guardiã dos vulneráveis].
“Na liminar, a Ministra suspendeu o cumprimento da ordem de reintegração e requisitou, com urgência, informações ao juízo de Palmas sobre a razão pela qual o conflito não foi reconhecido como coletivo e marcado por vulnerabilidade social. Com a decisão, as 84 famílias da Serra do Lajeado permanecem amparadas, enquanto o STF analisa o mérito do caso”, explica Kenia Martins.