Defensor público Rubismark Saraiva - Foto: Loise Maria
O Poder Judiciário tocantinense enfrenta atualmente uma grande empreitada: a implantação do processo judicial eletrônico, por meio do sistema e-Proc. A princípio, os mais desavisados podem imaginar que se trata da mera transposição do processo em papel para as plataformas da informática. Não é bem assim. Mais do que simplesmente o local de acondicionamento dos atos processuais, o Processo eletrônico trará consequências muitas para o mundo processual. Essa nova realidade traz embutida em si várias promessas. Como exemplo, a esperada economia de recursos humanos e físicos, e, consequentemente, alívio aos cofres do Judiciário. Mas a maior de todas as promessas é, sem dúvidas, a de maior celeridade processual.
De fato, é possível sermos otimistas e acreditar que nosso moroso processo judicial possa, doravante, adquirir contornos mais ágeis. Principalmente por três realidades: 1. fim do serviço de autuação em Cartório, que foi transferido de imediato aos postulantes. Em verdade, a autuação continua sendo feita, mas agora somos nós, Defensores Públicos, Advogados e Promotores que fazemos o serviço “grosso” de qualificar as partes, dar nome à ação etc.; 2. Fim do serviço de juntada em Cartório. Antes, quando queríamos juntar documentos aos autos, tínhamos que percorrer uma via crúcis: dar entrada junto ao Cartório distribuidor que, após isso, os remeteria ao respectivo Cartório Judicial, quando ficaria aguardando um servidor furar o papel, inserir no processo e, enfim, bater o carimbo de juntada. 3. Desnecessidade de alguns despachos ordinatórios para impulso oficial. Por exemplo, não faz mais sentido o juiz vir aos autos para dizer: “expeça-se mandado de intimação”; “arquive-se, com as baixas de estilo” etc. Diante dessas constatações, ao começarmos a trabalhar no sistema virtual, passamos a ver o quanto a nossa burocracia judicial é irracional e improdutiva, e temos a certeza do quanto são anacrônicas algumas praxes forenses. Esses exemplos citados somam-se a tantos outros, que certamente abonam o novel Processo eletrônico.
Mas o processo virtual traz consequências processuais ainda mais importantes. Uma delas veio expressa na Instrução Normativa do Tribunal de Justiça do Tocantins nº 5 (que regulamenta o processo judicial eletrônico). Essa inovação diz respeito ao recurso de agravo de instrumento. Em síntese, a normativa (Art. 35, §§ 1º e 3º) previu a desnecessidade da juntada dos documentos tidos como obrigatórios quando do ajuizamento do agravo, conforme o Art. 525, I, do Código de Processo Civil. E ainda, dispensou a juntada da petição do agravo e o comprovante da interposição nos autos do processo originário na 1ª instância, previsão esta do Art. 526, CPC.
Ante isso, poderíamos nos perguntar: como pode uma instrução normativa derrogar artigos do Código de Processo Civil? A nosso ver, a instrução normativa, nesse ponto em específico, não foi além do que poderia. Podemos dizer que o objetivo da Lei será alcançado com a nova sistemática. Assim, principiologicamente (instrumentalidade das formas), podemos dizer que a normativa não agride a norma processual.
Em situação análoga à disposição atinente ao agravo de instrumento, apesar de não previsto expressamente na normativa, acreditamos que o processamento do habeas corpus – HC, deve sofrer alterações importantes. De há muito se sabe que o impetrante deve fazer prova pré-constituída do que aduz em sua postulação. Até porque, o HC não comporta dilação probatória. Essa prova pré-constituída seria a juntada das peças que comprovam as alegações do impetrante. Mas qual o sentido de o impetrante ter que juntar documentos processuais se todos eles estão disponíveis a um simples clique do mouse? Seria uma irracionalidade inadmitir o processamento de um habeas corpus porque o impetrante não juntou a prova previamente constituída, se os documentos estão já inclusos no processo virtual, mormente se o impetrante tiver feito referência a eles quando do ajuizamento. Analogicamente ao que estatuído quanto ao agravo de instrumento na instrução normativa, desnecessário se juntar quaisquer documentos quando se impetrar um habeas corpus. Acreditamos que essa interpretação não encontrará resistência junto à comunidade jurídica.
Ainda no contexto do habeas corpus, outra importante alteração procedimental há de ocorrer. É que o Código de Processo Penal, em seu Art. 662, prevê que a segunda instância – “se necessário” – requisitará informações da autoridade indicada como coatora. A nosso ver, não faz mais sentido tal procedimento. Não vemos razão em se pedir informações de um processo que estará inteiramente à disposição da 2ª instância na tela do computador. Não cremos que o pedido de informações seria uma oportunidade do juízo prolator da decisão “explicar melhor” os seus fundamentos; ou de “defender a sua decisão”. Tal argumento, sustentado por alguns, não resiste a um simples exercício de lógica. Isso porque se a decisão precisa ser explicada/reforçada é porque não está bem fundamentada; e se não está bem fundamentada, merece ser reformada.
Em verdade, o pedido de informações – historicamente – encontra suas razões de ser na realidade do processo físico. Isso porque o impetrante poderia, na sua condição de parte, juntar no seu pedido apenas documentos que pudessem contribuir para o sucesso do HC. Em contrapartida, o pedido de informações seria a oportunidade do Tribunal ter conhecimento de outras provas que, eventualmente, pudessem corroborar a decisão judicial do juízo a quo. Hoje não faz mais sentido isso, pois todos os documentos estão à disposição do Tribunal, mediante consulta eletrônica. Dar oportunidade ao juízo “reforçar” a sua decisão é, na verdade, criar um procedimento não compatível com a própria natureza da via estreita do habeas corpus. Diga-se ainda que, continuar a se pedir informações, sob o argumento de que seria a oportunidade do juiz “reforçar” ou “explicar” a sua decisão, seria dar azo a procedimento sui generis. Se considerarmos que estaria ele reforçando a sua decisão, essa manifestação assumiria a natureza de uma segunda decisão; caso admitirmos que o magistrado estaria explicando melhor a sua decisão, seria o mesmo que dizer que magistrado estaria manifestando-se após inusitado pedido, que teria natureza de embargos de declaração. O magistrado teria então a oportunidade de aclarar a sua decisão. Nada mais confuso! Além de totalmente impertinente ao processamento do HC. Arrematando, o pedido de informações só faz sentido para se apontar algum ponto do processo omitido pelo impetrante, e que pudesse corroborar a decisão do juízo de 1º grau. Considerando que o processo eletrônico está inteiramente à disposição do Tribunal, prescindível o pedido de informações com esse objetivo. Sabemos que praxes que se repetem há muito tempo dificilmente são superadas rapidamente pelos organismos judiciais. Temos observado que é um verdadeiro “despacho padrão” o pedido de informações em habeas corpus. Praticamente todos os HCs têm esse rito de passagem, mesmo a Lei dizendo que tal procedimento é uma “faculdade”.
Ao final dessas ponderações, concluímos que o pedido de informações em habeas corpus é procedimento incompatível, injustificado e desnecessário para a realidade do Processo eletrônico. O tempo dirá se o Processo eletrônico será um vetor para superação de velharias procedimentais; ou se essa nova ferramenta será absorvida pelo vetusto formalismo processual, que pode facilmente espraiar suas práticas protelatórias e improducentes pelo moderno campo do Processo eletrônico.