Consoante exegese do artigo 5°, inciso LXXIV, da Constituição Federal, dentre os direitos consagrados, assegura que “o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos”. Por conseguinte, o artigo 134 do mesmo diploma legal concedeu à Defensoria Pública status de “instituição essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a orientação jurídica e a defesa, em todos os graus, dos necessitados, na forma do artigo 5º, inciso LXXIV”.
Por recomendação de mandamento constitucional, a Lei Complementar n° 80/1994 organizou a Defensoria Pública da União, do Distrito Federal e dos Territórios, bem como prescreveu normas gerais para sua organização nos Estados.
Muito embora a Constituição Federal tenha assegurado o direito de acesso à justiça aos necessitados, e ainda a inovação e criação da Defensoria Pública como instituição autônoma e transformadora, incumbida pela defesa dos mais carentes, essa novel instituição vem encontrando inúmeros entraves para a sua plena efetivação.
O acesso à justiça determina duas finalidades básicas do sistema jurídico, isto é, o sistema deve ser igualmente acessível para todos e também deve produzir resultados práticos que sejam individuais e socialmente justos. A justiça social pressupõe o acesso efetivo.
Indubitavelmente, o acesso à justiça transcende os limites do judiciário. Nesse contexto, inserem-se as chamadas funções extrajudiciais da Defensoria Pública, aquelas que possibilitam a garantia do acesso à justiça longe do processo judicial contencioso, a exemplo da conciliação, a assistência jurídica e a atuação em órgãos públicos administrativos e fiscalizadores, que se constituem em mecanismos de efetivo acesso à justiça.
O Estado reconheceu a importância do direito ao acesso à justiça entre os novos direitos individuais e sociais, e imaginar a ausência de instrumentos para garantir sua efetiva reivindicação, é destituída de sentido.
Com a sociedade contemporânea surgiram novos direitos e interesses de abrangência supra-individual, como os direitos coletivos, difusos e individuais homogêneos, tornando-se insuficiente a concepção de indivíduo como titular de direitos.
Não obstante as dificuldades experimentadas no cotidiano, o Defensor Público enfrenta muitas vezes percalços que dificultam e às vezes até comprometem a defesa dos interesses do assistido, em razão das peculiaridades de ser do cidadão carente, que nem sempre disponibiliza de documentos, meios e condições para municiar o Defensor Público na promoção da defesa de seus direitos.
A Defensoria Pública brasileira, com seu munus constitucional de garantir o acesso à justiça e a efetivação de direitos e liberdades dos necessitados, desponta no cenário nacional como uma das mais relevantes e respeitadas instituições públicas, essencialmente comprometida com a democracia, a igualdade e a construção de uma sociedade mais justa, livre e solidária.
Referindo-se ao papel do Defensor Público como instrumento de transformação social, Paulo César Ribeiro Galliez esclarece que a sua atuação não se define apenas pelo seu aspecto técnico-jurídico, porque como representante dos interesses da classe economicamente menos favorecida, o defensor público tem ainda o dever de amparar moralmente seu assistido, principalmente quando em confrontação com parte integrante da classe dominante, esclarecendo a razão social e econômica do conflito, e a possibilidade de o mesmo fazer valer seus direitos perante a lei, com a garantia de igualdade formal preconizada pela Constituição Federal.
Nessa mesma esteira de raciocínio, a cátedra de José Néri da Silveira é no sentido de que o Defensor Público, como instrumento ao efetivo acesso à Justiça, deve trazer a esperança ao coração dos que se desajustam ou se desesperam, por não conhecer seus direitos, deve enfim, garantir-lhes a igualdade na salvaguarda de seus direitos, da liberdade, da honra e na conquista de seus legítimos desejos de participar dos benefícios sociais e realizar as prerrogativas de sua cidadania.
Devido à dedicação e eficácia impregnadas pelos Defensores Públicos, a qualidade dos serviços prestados pela Defensoria Pública vem ocasionando uma ampla repercussão no meio social e jurídico. Através desse procedimento, a Instituição em apreço vem conquistando respeito, dignidade e um merecido destaque internacional, tendo sido considerada um modelo-padrão para outros países.
A Defensoria Pública, a exemplo do Poder Judiciário e do Ministério Público, necessita também ser efetiva e plenamente reconhecida, pois as três instituições fazem parte do mesmo Sistema de Justiça e, assim, devem formar um triângulo eqüilátero, sendo cada vértice igual aos demais. Pois o Estado Julgador e o Estado Acusador, certamente, é o mesmo Estado Defensor. Deve, pois, o Estado tratar com igualdade os iguais.
Apesar dos consideráveis avanços alcançados pela Defensoria Pública no Brasil, a exemplo das Emendas Constitucionais nº 41/2003 e nº 45/2004 e Lei Complementar nº 132/2009, infelizmente apenas 42% das cidades brasileiras contam com a presença de Defensor Público, sendo apenas 5.000 em todo país, ao passo em que existem 9.900 promotores e 15.000 juízes estaduais. E como se não bastasse, em 19/12/2012 a presidente da República vetou o PLC nº 114/2011, cuja sanção regulamentaria a autonomia financeira da Defensoria Pública.
O acesso à Justiça é um fator primordial para a afirmação da dignidade humana, e a consolidação de mecanismos que assegurem esse acesso é fundamental para a construção de um verdadeiro Estado Democrático de Direito.
Nesse contexto, o papel da Defensoria Pública é mais do que relevante, é imprescindível para garantir a legitimidade da organização institucional do Sistema de Justiça. Para tanto, importante consignar que a atividade do Defensor Público não seja compreendida apenas sob uma visão limitada, somente como o advogado dos mais necessitados, mas certamente como verdadeiro agente dinamizador da promoção de cidadania e de transformação social.
Certamente, por isso que se diz que a missão do Defensor Público vai muito além do papel de advogado, atuando não raramente, investido nas funções extrajudiciais, como psicólogo, assistente social, conselheiro espiritual etc, assegurando assim o acesso à justiça distante do processo judicial contencioso.
O Defensor Público, como um agente político de estado, deve ter a consciência, responsabilidade, compromisso de desempenhar bem o seu munus, fazer o melhor pelo assistido, de modo que este ao sair de seu gabinete sinta-se mais leve, alegre, confiante, enfim, deve envidar todos os esforços na defesa dos interesses do cidadão carente, sem se descuidar de primar pela qualidade e efetividade dos serviços prestados. Pois como ensina Paulo César Ribeiro Galliez, o Defensor Público deve se nortear pela razão, pela lógica e pelo equilíbrio, de modo que seus atos traduzam conceitos de sentido universal, onde a verdadeira justiça seja praticada em toda a sua extensão.
É plausível perceber que nas comarcas onde já contam com os relevantes serviços de uma Defensoria Pública devidamente reconhecida e estruturada, os resultados são significativos, alcançando-se a igualdade material no trato dos direitos humanos do cidadão carente. Ela é protagonista de sua história, aliada do cidadão hipossuficiente e parceira do Poder Público e entidades civis.
Constata-se, todavia, que, pelo seu papel transformador, muitas são ainda as resistências, sejam elas veladas ou expressas, quanto à efetivação da Defensoria Pública. Verifica-se, assim, que a mais nova das instituições jurídicas do nosso país constitui-se em um importante caminho para o enfrentamento da pobreza no Brasil, um instrumento imprescindível para a promoção da cidadania, da paz e transformação social. A existência de uma Defensoria Pública fortalecida e atuante, seguramente, proporciona a construção de mecanismos eficazes de prevenção e resolução de conflitos.
Para a concretização do acesso à Justiça, que deve ser compreendido como um importante passo para a efetiva consolidação da democracia no Brasil, necessário a plena efetivação da Defensoria Pública em todos os sentidos. Pois como é sabido, o acesso à Justiça inevitavelmente passa pela Defensoria Pública.
O efetivo reconhecimento da Defensoria Pública impõe necessariamente a consagração de outros direitos, como a iniciativa legislativa do órgão para criação e extinção de seus cargos e, sobretudo, a regulamentação de sua autonomia financeira.
Os que labutam pela efetivação da Defensoria Pública deverão continuar como num campo de luta vigilante e constante pela melhoria da qualidade, efetividade e quantidade dos serviços prestados. Pois parafraseando Rui Barbosa, os que não lutam pelos seus direitos não são dignos de merecê-los. Exemplo disso foi a manifestação a favor da derrubada do veto presidencial ao PLC nº 114/2011, que reuniu cerca de 520 Defensores Públicos, em Brasília-DF, no dia 6/2/2013.
Em suma, pode-se afirmar seguramente que sem uma Defensoria Pública efetiva não há justiça; sem justiça não há cidadania; sem cidadania não há democracia. A Defensoria Pública é, pois, um instrumento de transformação social.