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A Defensoria Pública na defesa dos direitos transindividuais

Publicado em 12/03/2008 13:15
Autor(a): Autor não informado
A proteção aos direitos transindividuais surgiu como uma das grandes conquistas do Direito contemporâneo. A lei 7347/85 e, posteriormente, o Código de Defesa do Consumidor, entre outras leis especiais, fizeram surgir em nosso sistema a tutela coletiva de direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos que reiteradamente são violados.

A dificuldade em buscar a proteção individual destes direitos, fazia com que a coletividade suportasse uma situação de pura inviabilidade do pleno exercício das normas constitucionais e infraconstitucionais. A título de exemplo, um dano ambiental cometido por empresa poluidora e que atinge uma comunidade carente de certo bairro pobre, continuava ocorrendo por falta de meio hábil que pudesse pleitear a interrupção deste mal. Um ou outro morador atingido pela poluição, não pleiteava a proteção que mereciam, pelo fato de que o acesso à Justiça na busca pela tutela destes interesses era completamente inviável. O pobre, sem condições de pagar advogado e sem condições educativas para pensar numa responsabilização de tal empresa poluidora, nunca pensava em buscar a tutela do direito a um meio ambiente saudável. Este e outros direitos violados fizeram nascer o meio processual ideal para a tutela coletiva, qual seja a Ação Civil Pública.

No início, o artigo 5º da lei 7347/85, trazia à baila os legitimados para a proposição das Ações Civis Públicas, colocando entre estes o Ministério Público, a União, os Estados, os Municípios, as autarquias, empresas públicas, fundações, sociedades de economia mista e as associações. Em recente alteração legislativa, a Defensoria Pública passou a constar deste rol legal, fazendo valer o que já se afirmava com fundamento na Teoria dos Poderes implícitos, mesmo antes da nova lei já seria parte legítima para propor Ações Coletivas, vez que, em quase todos os casos de violação a interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos há afronta a interesses (direitos) da imensa população carente que sobrevive em nosso país. (Esta é a posição do Ministro do STJ, José Augusto Delgado).

A realidade é que no atual sistema, a Defensoria Pública se firmou, de uma vez por todas, como um dos legitimados para propor este que é um dos meios processuais mais eficazes na atualidade. Alteração Legislativa de grande importância, a lei 11.448/07 veio para garantir maior proteção a estes interesses que dia-a-dia são violados. Apesar de haver vários legitimados para a proposição meio processual, hora comentada, a instituição pioneira e que a utiliza com mais freqüência é o Ministério Público que de forma combativa garante inúmeros direitos da coletividade violados, seja pelo próprio Estado (no sentido lato) seja por Empresas Particulares.

Numa visão estreita, buscando colocar no presente esboço o que nos deparamos no dia-a-dia do trabalho social que realizamos no exercício de nossas atribuições, pensamos que por mais que o Ministério Público combata frequentemente o abuso e a violação dos direitos transindividuais, há grande espaço para atuação da Defensoria Pública neste campo.

Reiterados acontecimentos fáticos demonstram a necessidade de uma união na busca pela efetiva aplicação dos direitos básicos da coletividade. União esta que se apresenta, no sentido prático, entre Defensoria Pública e Ministério Público. Cada instituição com sua autonomia e cada membro com sua independência funcional, atuando conjunta ou separadamente, farão a diferença positiva na vida de muitos que se vêem acorrentados e sem perspectiva de mudanças.

No que consiste a pertinência temática, ou representatividade adequada, muito se discute se a Defensoria Pública somente poderia atuar em questões envolvendo interesses afetos aos necessitados (pobres pra ser mais claro). Neste momento, não creio ser esta uma discussão que mereça tanta atenção por parte dos operadores do direito. No que tange à proteção aos interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos, na grande maioria das vezes em que estes são violados ou mesmo esquecidos, é o direito do pobre que está em jogo. Aproveitando os dizeres da melhor doutrina, podemos citar como exemplo de interesses difusos constantemente violados, o direito ao Meio Ambiente saudável e adequado. Neste exemplo específico, em 100% dos casos há uma violação de direitos de pessoas carentes. Afirmando-se de outro modo, teríamos que afirmar o absurdo, ou seja, “que o pobre não tem direito ao Meio Ambiente saudável e adequado”. Data máxima vênia, a posição do Ilustre mestre Emerson Garcia não procede (V. site MP/RJ). O autor afirma que como os lesados no caso de interesses difusos não são determináveis, a Defensoria Pública não poderia atuar nestes casos. A questão da indeterminabilidade dos lesados é sim uma das características do interesses difusos, mas em nosso entendimento não se revela capaz de interferir na legitimidade que é questão de Direito Processual. O que se deve observar é que pobre também tem direito ao Meio Ambiente saudável. Citando o exemplo de interesse coletivo que sempre é violado, podemos relembrar situação corriqueira em nosso país, qual seja a questão da falta de medicamentos para uma parte da população carente que necessita de um mesmo medicamento ou tratamento, Ex. Grupo de portadores do vírus HIV. Neste caso específico, podemos afirmar que apesar de todos terem direito à prestação dos serviços de saúde, a população mais atingida é a população carente, uma vez que não tem outra forma de obter o tratamento se não for por conta do Estado. Quanto a interesses individuais homogêneos podemos relembrar o exemplo da falta de vagas em escolas da rede pública para algumas crianças e adolescentes. Não são apenas crianças e adolescentes carentes que tem direito à educação e a vagas na rede pública, mas se há este direito violado, com certeza haverá pessoas carentes afetadas.

Apesar de a Defensoria Pública estar legitimada para a propositura de Ações Coletivas, também está legitimada a tutelar interesses individuais. No caso destes últimos, podemos afirmar que a Defensoria Pública somente poderá atuar em questões afetas a pessoas carentes, pois esta é a própria finalidade da criação desta instituição. Em resumo, se é para atuar somente em casos ligados à população carente, que assim seja, pois como vislumbramos no próprio dia-dia e como supramencionado, em quase todos os casos de violação de interesses transindividuais, haverá a violação de direitos da população carente.

Quanto à constitucionalidade da lei 11.448/07 que legitimou a Defensoria Pública a buscar a tutela coletiva, não há dúvidas de que a lei é constitucional. Basta lermos o artigo 134 da Carta Magna para termos conhecimento de qual é a finalidade da atuação da Defensoria. O acesso à justiça não se resume somente na tutela de direitos individuais. O sistema legal afeto à tutela coletiva, nos proporcionou um meio processual que veio para facilitar a proteção dos direitos que antes de serem considerados coletivos, são individuais. Alguns operadores do direito, de forma impensada, afirmam que é atribuição exclusiva do Ministério Público, e o fazem com fundamento no artigo 129 da Constituição Federal. Ora, se assim o fosse, a lei 7347/85 não traria um rol com vários outros legitimados, caracterizando-se por ser legitimação concorrente e disjuntiva. A Carta da República quando estabelece funções e atribuições ministeriais (do “parquet”), em momento algum o faz como forma de unificar a busca pela tutela de direitos, sejam coletivos ou individuais, salvo no caso da Ação Penal Pública, no qual o Ministério Público é o único a titular (dominus litis) e por expressa previsão no inciso I, do artigo 129 da Carta Magna.

Não teria sentido impedir uma atuação que vem única e exclusivamente para aumentar a efetiva tutela de interesses que dia-a-dia são violados e que merecem maior amparo dos órgãos que atuam na busca por uma sociedade mais justa e solidária. Cremos inclusive que a ADIN proposta pela Conamp (Associação Nacional do Ministério Público) trazendo a discussão sobre a constitucionalidade ou não da legitimidade dada a Defensoria Pública se destoa completamente do atual sistema constitucional. O movimento do Ministério Público Democrático, defende a iniciativa da Defensoria neste campo e sem restrição alguma, sem ter que demonstrar, por exemplo, a pertinência temática (no mesmo sentido: Marcelo Semer, Juiz de Direito em São Paulo e ex-presidente do Conselho Executivo da Associação Juízes para a Democracia, revista consultor jurídico 16/10/2007; ONG - Movimento do Ministério Público Democrático; entre outros).

Esperamos que esta legitimidade conferida à Defensoria Pública não venha para iniciar uma “briga de egos” entre Ministério Público e Defensoria Pública, pois se trata de duas instituições democráticas com o mister buscar uma sociedade mais justa. A potencialidade de alcance de tutelas de direitos transindividuais quando postulados tanto pelos Promotores de Justiça quanto por Defensores Públicos é muito maior, e este deve ser o compromisso social das duas instituições. Assim sendo, estas e suas entidades de classe não podem iniciar uma disputa no momento em que há um fortalecimento da tutela coletiva de direitos, que em sua grande maioria são vitais para a coletividade. Cada instituição tem suas atribuições e finalidades, possuem autonomia e tem liberdade de atuação, mas devem trilhar um caminho semelhante: “a busca do bem comum e o efetivo respeito aos direitos garantidos no ordenamento jurídico vigente”. Pensemos primeiro na efetiva satisfação do interesse público primário, para depois debatermos questões institucionais sem urgência.


ARTHUR LUIZ PÁDUA MARQUES. É DEFENSOR PÚBLICO, PÓS-GRADUADO EM DIREITO PÚBLICO E SUB-CORDENADOR DO CENTRO DE ESTUDOS JURÍDICOS DA DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DO TOCANTINS, NA ARÉA DE INTERESSES DIFUSOS, COLETIVOS E INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS.

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