No mês em que se celebra o Dia da Mulher Negra, Latina e Caribenha, reportagem especial apresenta mulheres que fazem história na liderança de suas comunidades e são inspiração de força, resistência e amor pela vida e pelas suas ancestralidades
As mãos e os pés calejados não escondem a trajetória no arado, de sol a sol, para o cultivo que garante a subsistência. No rosto, as rugas e o olhar cansado que rememoram a sabedoria popular. E a pele – preta – destaca a ancestralidade quilombola. “Com muito orgulho, sou Aroeira, quilombola, parteira, benzedeira e raizera”, expressou Dona Álvara Fernandes Rodrigues, 84 anos, matriarca da comunidade quilombola de Barra de Aroeira, localizado no município de Santa Tereza do Tocantins, a 80 km de Palmas.
Apesar do sorriso largo no rosto, a trajetória dela é de muitas lutas – e decepções – pela garantia de direitos básicos para a comunidade, que apesar de estar tão perto da capital tocantinense, sofre com problemas de saneamento básico, acesso à saúde e educação, ameaças pelo direito de terra e moradia digna. “A maioria das casas nem banheiro tem”, lamenta ela. A neta de Félix Rodrigues – fundador da comunidade - foi uma das mulheres ameaçadas no quilombo, quando a sede da associação foi alvo de um incêndio criminoso, em 2016. “Eu me tranquei dentro de casa, fui me esconder, correram pra entrar dentro de casa me ameaçando”, denuncia a matriarca.
Parteira, das mãos dela nasceram mais de 200 crianças no povoado. De um mal olhado a problemas de saúde, a benzedeira e raizeira também cuidou de centenas de pessoas. “Com uma folha, um chá, uma casca de árvore, a família da gente sempre ensinou na terra a cura. Aqui agora que começou a chegar médico, farmácia nas cidades perto, mas antes era tudo nessas mãozinhas com a bênção de Jesus”, rememora. Mãe biológica de dez filhos e ainda mais as centenas de “filhos das mãos”, como ela mesma descreve, dona Álvara conta que divide o seu dia a dia no cuidado com a família, a casa, a terra e até nas opiniões e decisões políticas da comunidade. “Aqui eu nasci, cresci, criei minha família e quero viver pra sempre”, projeta.
É assim também com as demais mulheres da comunidade, que exercem papéis fundamentais no quilombo que, além de cuidar da família e dos afazeres domésticos, têm o papel fundamental no processo de união familiar e organização da comunidade. São elas que presidem, assumem toda a diretoria da Associação e têm forte envolvimento com as questões comunitárias e coletivas.
Mulheres
Líder no povoado, Maria de Fátima Rodrigues, 52 anos, mais conhecida como Andreza explica que - diferentemente de outras comunidades do entorno do Jalapão que possuem campos de capim dourado para artesanato, a principal fonte de geração de renda na Barra de Aroeira é a agricultura, onde as mulheres também trabalham no cultivo de hortaliças, grãos e legumes. “A gente planta muito e o que a gente colhe é transformado em alimentos para a geração de renda, como pimentas, licores, mel, fava, feijão, óleo de coco, mamona, buriti e outros”, declara. A vereadora quilombola Edleuza Rodrigues comenta que as mulheres do quilombo têm um diferencial das demais brasileiras. “A gente carrega no sangue a força, a determinação, a cultura de um povo único e tradicional que tem raiz de um povo forte e resistente”, disse.
Já Hermínia Rodrigues é líder do grupo folclórico da Dança do Lenço e, assim como as demais mulheres, nasceu e criou-se na comunidade. Além de liderar o grupo folclórico, ela é artesã, raizera e benzedeira. “Eu faço muito é garrafada, mas também faço talo de buriti, balaio e tapiti”, expressa. Ela é uma das pessoas do povoado que também sofrem com ameaças em seu território. “Eu saí de casa por que viviam levando notícia que iam entrar lá e me pegar, fazer o mal mesmo. Mas o meu coração anda dizendo que é pra eu voltar”, anseia ela.
Defensoria
Essas e outras mulheres estiveram presentes na edição do programa Defensoria Itinerante, realizada na Barra de Aroeira, na sexta-feira, 22 de julho. De acordo com a defensora pública Denize Souza Leite, membra da Comissão de Igualdade Étnico-Racial da Associação Nacional de Defensoras e Defensores Públicos (Anadep), as comunidades quilombolas são guardiãs de um patrimônio imaterial e cultural e representam um instrumento vigoroso no processo de resistências, de reconhecimento de ancestralidade e identidade negra brasileira para uma maior autoafirmação étnica e nacional. “Defendê-las deve ser pauta prioritária na agenda nacional antirracista. Precisamos refletir a respeito das vivências das mulheres negras e colaborar no desenvolvimento de políticas públicas para potencializar essas vidas no seu retorno à sociedade”, ressalta.
A Defensora Pública reforça, ainda, que o Estatuto da Igualdade racial, a Lei 12.288/2010, reafirmou o direito quilombola de acesso à terra, bem como a necessidade de desenvolver políticas públicas especiais voltadas para o desenvolvimento sustentável, respeitando as tradições de proteção ambiental das comunidades.
Julho das Pretas
Esta publicação é em referência ao Mês das Mulheres Negras, pelo Dia Nacional de Tereza de Benguela e da Mulher Negra, 25 de julho. Em 2013, o Odara (Instituto da Mulher Negra) deu início a uma ação denominada Julho das Pretas, com organizações e movimento de mulheres negras do Brasil, voltada para o fortalecimento da ação política coletiva e autônoma das mulheres negras nas diversas esferas da sociedade.
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