A falta de serviços de intérprete de Língua Brasileira de Sinais (Libras) para acompanhamento em aulas práticas e teóricas é um dos graves problemas que prejudicam a acessibilidade de pessoas com deficiência auditiva em autoescolas e, consequentemente, na garantia deles na obtenção da CNH.
Nesta segunda-feira, 3, um grupo de pessoas com deficiência esteve na sala do Núcleo Especializado de Defesa do Consumidor (Nudecon), da Defensoria Pública do Estado do Estado do Tocantins (DPE-TO), em Palmas, para solicitar assistência jurídica no caso. Eles foram atendidos pelo defensor público Daniel Gezoni e equipe de assessores do Nudecon, com auxílio de intérpretes de Libras.
Uma portaria do Departamento Nacional de Trânsito no Tocantins (Detran/TO) (22/2018) dispõe sobre a renovação do credenciamento dos prestadores de serviço e exige que os credenciados (escolas) disponham intérpretes de libras. Contudo, os assistidos relataram uma série de dificuldades de acessibilidade para completar o processo de retirada de CNH. Eles contaram que deram início ao procedimento para emissão da carteira nacional de habilitação junto ao Detran/TO, realizando os exames de aptidão física, mental e psicológica. Porém, quando passaram para a fase do curso teórico encontraram dificuldades, pois nenhuma autoescola credenciada junto ao Departamento oferece intérprete de libras apto para interpretar as aulas do curso de formação.
A estudante Cristina Alves Diniz foi uma das assistidas que compareceu à reunião. Ela contou as principais dificuldades geradas pela falta de acessibilidade. “É uma questão de igualdade, da mesma forma que o ouvinte tem condições de pagar o seu processo, aprender a teoria e prática e concluir o seu processo, o surdo também tem, desde que tenha acessibilidade”, declarou.
Cristina acrescentou, ainda, que se trata de um processo extremamente desgastante. “A gente tem que ir até o Detran, gasta tempo, gasolina, e esse processo é tão moroso que nos faz cansar. Teve um colega que se cansou de tanto lutar, estudou por si só e conseguiu habilitação dele sem acessibilidade. Mas a gente não pode desistir, nem por mim, mas por todas as pessoas com deficiência. Por isso, vou até o fim para correr atrás dos nossos direitos”, complementou.
Conforme o defensor público Daniel Gezoni, tal situação impede o tratamento isonômico da pessoa com deficiência auditiva em relação aos outros candidatos. Diante disso, irá oficiar a autoescola que os assistidos já iniciaram o processo para que se manifeste sobre a impossibilidade de fornecer o intérprete e os motivos do descumprimento da portaria. “Oferecer um intérprete de libras não é um favor que as autoescolas oferecem, mas um dever, que é o de cumprir a Lei”, defendeu Gezoni.
Além disso, o Nudecon oficiará também o Detran/TO para que o mesmo forneça informações sobre a falta de intérpretes nas autoescolas do Tocantins. “Inicialmente, tentaremos solucionar o caso de forma extrajudicial, administrativa, de forma consensual, por ser mais rápida e, somente em caso de ausência de solução, viabilizaremos a possibilidade de judicialização”, complementou.
Lei
Em 2002 entrou em vigor a Lei 10.436/02 que reconheceu a Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS) como meio legal de comunicação. A partir daí se deu início a uma série de outras regulamentações que vêm tentando fazer com que as garantias, ora conquistadas, se tornassem concretas. Todavia, somente 13 anos depois (2015), o Código de Trânsito Brasileiro (CTB) recebeu sua primeira alteração nesse sentido, quando o Conselho Nacional de Trânsito (Contran) publicou resolução que torna obrigatório a disponibilização de intérprete da Língua Brasileira de Sinais (Libras) durante o processo para obter a Carteira Nacional de Habilitação (CNH) para pessoas com deficiência auditiva. De acordo com a resolução (nº 558), os órgãos ou entidades executivos de trânsito dos estados e do Distrito Federal deverão disponibilizar as pessoas surdas intérpretes de Libras durante várias fases do processo.