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SUPERENDIVIDAMENTO: um fenômeno global

Publicado em 16/09/2013 17:17
Autor(a): Autor não informado
Defensor Edivan de Carvalho Miranda - Foto: Loise Maria

Nestes 23 anos de promulgação do Código de Defesa do Consumidor (CDC), merece destaque a abordagem do fenômeno do Superendividamento – um tema importante e em evidência no cenário nacional. Problema que aflige milhões de brasileiros, pois não distingue condição social, sexo, nível cultural, etc.

O Superendividamento é um fenômeno social, jurídico e econômico capaz de gerar a impossibilidade do consumidor, pessoa física, de boa-fé, em pagar todas as suas dívidas de consumo atuais e futuras, sem prejuízo grave do sustento próprio ou de sua família. A doutrina classifica o Superendividamento em ativo e passivo. Ativo – quando o consumidor, espontaneamente, abusa do crédito e o utiliza de forma irrefletida e excessiva, extrapolando as possibilidades de seu orçamento (induzido pelas estratégias de marketing das empresas fornecedoras de crédito). Passivo – decorre de circunstâncias externas à vontade do consumidor para o inadimplemento global de suas dívidas, a exemplo de desemprego, redução de salário, acidente, enfermidade ou morte na família etc.    

A sociedade hodierna tem como característica principal a cultura de consumo, a partir da qual o cidadão associa felicidade e status com o ato de adquirir bens e serviços. Consumo e crédito são duas faces de uma mesma moeda, vinculados que estão no sistema econômico e jurídico de países desenvolvidos e de países emergentes como o Brasil.

O que possibilita o consumo de bens e serviço é o acesso ao crédito, disseminado no Brasil de forma vertiginosa nos últimos anos, acessível indistintamente a todas as camadas sociais. Em razão da massificação das ofertas, da facilitação do crédito e da falta de transparência de boa parte das empresas, o consumidor passa a consumir de maneira excessiva e irrefletida, desfigurando assim a função social do crédito (art. 192 da CF). 

Se por um lado o acesso ao crédito viabiliza o consumo, por outro compromete a renda de quem o adquire, podendo conduzi-lo a uma situação de endividamento, sobretudo quando a pessoa não foi educada para lhe dar com a situação. O endividamento é um fato inerente à vida em sociedade, ainda mais comum na atual sociedade de consumo.

O Superendividamento caracteriza-se como um problema não individual, mas de ordem social, que aflige milhões de cidadãos. Afeta a auto-estima do cidadão, relacionamento social e afetivo, podendo levar a depressão, separação e até suicídio.

No Brasil esse fenômeno não tem ainda tratamento jurídico específico para ajudar o consumidor de boa-fé a renegociar suas dívidas quando a situação ficou insustentável ao ponto do mesmo não ter como pagar seus credores. 

Inconcebível na atual conjuntura a inexistência de legislação versando sobre a prevenção e o tratamento das situações de superendividamento de consumidores pessoas físicas de boa-fé (como ocorre em países europeus e nos Estados Unidos) à semelhança do que existe para amparar as pessoas jurídicas. A recuperação judicial (Lei nº 11.101/05) está em pleno vigor. 

No entanto, tramita no Senado Federal Projeto de Lei nº 283/2012 que visa instituir mecanismos de prevenção e tratamento judicial e extrajudicial do superendividamento de consumidores. Inspirado no modelo francês, o plano de pagamento assegura o mínimo existencial para o superendividado sobreviver, que pode girar em torno dos 70% do rendimento do consumidor, ou seja, somente 30% de seu salário poderiam ser comprometidos com dívidas. 

A razão de ser da intervenção do Estado é que cerca de 43,9% das famílias brasileiras têm dívidas e boa parte tem dificuldade para quitá-las, mostrou uma pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), divulgada em 17/08/2012. Segundo o Ipea, 33,3% das famílias que têm dívidas não têm condições de pagá-las. Apenas 17,9% vão pagar as dívidas integralmente.

Em geral, o mercado brasileiro induz o cidadão a comprar a prazo ou tomar empréstimo, e isto quando mal planejado, conduz à impontualidade, o que pode levar ao endividamento. Nesse momento, deflagra-se o maior lucro das instituições que concedem crédito, porque fazem incidir encargos exorbitantes sobre as parcelas em atraso, impossibilitando sua quitação e alterando o valor de todas as demais parcelas em um efeito dominó. 

Com a capitalização mensal dos juros, vedada por lei, em poucos meses a dívida se torna impagável. A matéria em questão é objeto da Sumula nº 121 do STF: “É vedada a capitalização de juros, ainda que expressamente convencionada.” 

Para fazer frente a esse endividamento, os consumidores apelam para novos empréstimos, limite de cheque especial ou cartão de crédito (este o maior vilão), o que, por fim, poderá conduzi-los a um endividamento crônico, sem volta. 

A ausência de legislação específica não impede a proteção e defesa dos consumidores em situação de superendividamento no Brasil, até porque tanto na Constituição Federal quanto no Código de Defesa do Consumidor estão inseridas normas gerais que embasam essa garantia.

A defesa do consumidor superendividado encontra respaldo no princípio constitucional da dignidade da pessoa humana – um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito (art. 1º, inciso III, da Constituição Federal). Não se pode descurar que é objetivo da República erradicar a marginalização (artigo 3º, inciso III, CF) uma vez que o superendividamento é um fenômeno de exclusão social dos consumidores pessoas físicas e suas famílias, pois o benefício da recuperação judicial é reservado aos comerciantes. A luta contra a pobreza visa a incluir grande parte da população brasileira na sociedade de consumo e de crédito, sempre com respeito ao princípio da igualdade (art. 5º, caput e inciso I, CF), assegurando uma proteção dos mais fracos e vulneráveis, em especial em casos de quebra ou ruína dos consumidores (art. 5º, XXXII, CF). É dever do Estado promover a defesa do consumidor (art. 5º, inciso XXXII, da Constituição Federal), e que esta é princípio da ordem econômica constitucional (artigo 170, V, CF), como limitador à livre iniciativa, inclusive nos contratos e nos serviços de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária frente a consumidores. 

O Estado deve promover a defesa do consumidor superendividado através de processos extrajudiciais, amigáveis e administrativos e com base, especialmente, no princípio da boa-fé objetiva, seja oportunizada a renegociação das dívidas dos consumidores considerando sua situação econômica global. 

Neste sentido, visando combater o superendividamento, no dia 29/08/2013, o NUDECON – Núcleo de Defesa do Consumidor da Defensoria Pública do Estado do Tocantins implantou o Programa de Prevenção e Tratamento do Superendividamento em parceria com os bancos e instituições finaceiras.

Educação financeira e atenção ao adquirir produtos e serviços são os melhores caminhos para se prevenir do excesso de dívidas, evitando assim o superendividamento. A fórmula é simples, não tem mistério: poupar mais e gastar menos. Mas para isso é necessário esforço e disciplina. 

Antes de contratar a aquisição de um bem ou serviço, imprescindível responder a uma indagação: o bem que se pretende consumir é uma necessidade ou fruto de um desejo ou vaidade? Por mais economia que se faça, há gastos fixos no orçamento todos os meses, por isso é preciso saber administrar as contas para não gastar mais do que se ganha. Pois não se consegue fugir de despesas como moradia, alimentação, transporte, educação, saúde, vestuário, lazer e outras. 

Assim, é importante saber o que é possível economizar em cada grupo de despesa cotidiana. Comprar à vista sempre que possível é uma forma de se fazer economia. Sabendo usar o dinheiro ele não vai faltar. 


Edivan de Carvalho Miranda – Defensor Público - Coord. do Núcleo de Defesa do Consumidor / NUDECON

 

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