edit Editar esse Conteúdo

Por que não?

Publicado em 28/08/2013 16:56
Autor(a): Autor não informado
Por que não? - Foto: Loise Maria

 

É muito comum ainda ouvirmos os pais respondendo aos seus filhos o sonoro “porque não!” quando estes perguntam a razão de serem impedidos na prática de algo que desejam. Durante muito tempo essa resposta bastava para pôr fim à pretensão das crianças. Ocorre que, atualmente, com a vertiginosa mudança de comportamento e de normas dentro das famílias, a retórica resposta já não mais serve. O mínimo que os infantes exigem, para atender a orientação dos pais é saber o real motivo da negativa. Cabe a estes desenvolver “estratégias” de convencimento, falando com sinceridade porque a prática de tal conduta não é admitida.

Na sociedade percebe-se a mesma tendência. Por muitos anos a democracia brasileira flertou com os regimes ditatoriais. O último iniciado na década de 60 ainda nos causa desastrosas conseqüências porque tentou aniquilar o exercício da cidadania.

É nesse período que perdemos (ou que nos foi tirada) a possibilidade de reivindicarmos. As associações eram proibidas, as cobranças por serviços rechaçadas com uso da força. Tudo sob a argumentação de que seria “baderna” e subversão à ordem pública.

Foi no período pós 1985 até o início desse século que vimos as conseqüências da política do “porque não” adotada pelo regime ditatorial. Pessoas de comportamento passivo diante do sucateamento das políticas públicas de promoção ao bem estar de todos. Não era incomum ouvir as pessoas dizer que é normal os serviços públicos serem de baixa qualidade; que as políticas públicas devem ser para amigos dos que detém o poder; que há normalidade na corrupção na gestão da coisa pública. Tudo fruto da repressão não apenas pelo uso da força, mas, sobretudo, pela expansão da idéia de que reivindicar é “arruaça”.

Já no início desse século vemos a mudança de comportamentos sociais. A exemplo das relações familiares em que os filhos passaram a não mais aceitar argumentos de autoridade vazios de conteúdo, as pessoas, em especial os jovens, deixaram a postura submissa de aceitação da gestão pública de qualquer forma para cobrar melhorias tão urgentes quanto necessárias.

No final do mês passado, ao realizar o atendimento a um grupo de jovens manifestantes que ocupavam um canteiro da Capital ouvindo suas reivindicações percebi que o que se pretende é a discussão mais ampla e democrática do plano de mobilidade e o acompanhamento dos contratos de transporte urbano público, o qual, convenhamos, necessita de melhorias urgentes.

Em suas falas apontaram os problemas vivenciados por todos os usuários do transporte público. O que querem? O que todos nós, que o transporte público seja melhorado para que todos que queiram ou precisem possam utilizá-lo sem que isso seja uma jornada épica.

Apesar disso foram propostas ações de reintegração de posse dos canteiros e de quaisquer outras áreas públicas. A motivação era de que estes estariam impedindo que outras pessoas usufruíssem do espaço.

Com o devido respeito, tal situação não se amolda ao caso. Os manifestantes estão ocupando um espaço para serem vistos e ouvidos pelas autoridades, não exercendo a posse de área pública. O exercício da posse é a utilização da área de forma exclusiva, de forma a impedir o uso de terceiros. Não é o caso. Basta ir às proximidades de onde os manifestantes estão localizados para perceber que estes não impedem que qualquer cidadão use a área, lá transite ou de alguma forma se manifeste.

Além disso, como exigir a retirada de pessoas que não “residem” no local, mas que apenas estão reivindicando melhorias em serviços públicos em áreas que são públicas? Como pensar dessa maneira sem sermos remetidos ao período ditatorial em que o simples fato de se reunir já configurava risco a ordem pública?

No Estado Democrático de Direito que queremos construir esse modelo não é adequado. Nele devemos valorizar o exercício da cidadania, ouvir as pessoas e, sobretudo, as críticas que estes trazem.

O direito não deve ser usado não para reprimir manifestações populares, mas para assegurar que as pessoas possam exercer a cidadania de forma cada vez mais ampla, plural e inclusiva.

Essa luta é ainda muito árdua, porque contrária a anos de submissão e silêncio. Entretanto, é igualmente necessária para que finalmente possamos afastar também do vocabulário social o famigerado “porque não!”.

Elydia Barros Monteiro- Defensora Pública  -  elydia@defensoria.to.def.br

keyboard_arrow_up