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A vida do Anencéfalo como Direito Humano

Publicado em 07/03/2014 11:02
Autor(a): Autor não informado
A vida do Anencéfalo como Direito Humano - Foto: DP

 

As divergências sobre anencefalia alimentou muitos debates. Na análise jurídica o assunto se torna bastante polêmico por ser tema de diversos contornos de índole penal ou moral. Penal porque envolve elemento fundamental magno, a vida; moral por relevância religiosa ou filosófica.

Segundo a melhor doutrina, o feto anencéfalo possui resíduo de tronco encefálico, o que lhe dá a garantia de nascituro. No aspecto legal o ordenamento jurídico brasileiro ainda é omisso ao trato do anencéfalo. Muito se tem questionado: o que fazer com o feto anencefálico? Não há uma resposta unânime. O gargalo é o caput do art. 5º da Constituição da República brasileira ao garantir “a inviolabilidade do direito à vida”.

Com base na redação do artigo 5º da CRFB, o Código Civil pátrio definiu no artigo 2º, primeira parte, que “a personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida”. A vida, nesse sentido, é resguardada posteriormente ao nascimento da pessoa, momento este que garante a materialização dos direitos de personalidade do indivíduo.

Por outro lado, “a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro”. Nesse caso, no cerne do direito à vida, também o Código Penal brasileiro, definiu as situações que podem e os que não devem ser puníveis com a prática da interrupção da gravidez, em nada esclarecendo sobre o feto anencefálico.

Na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental – ADPF 54, o ministro relator Marco Aurélio primou pelo entendimento religioso na Constituição Federal de 1988, e descreveu a sua afastabilidade para melhor direcionar a decisão.

O ministro Cezar Peluso entende que “o anencéfalo morre, e ele só pode morrer porque está vivo”. Assim, ao votar contrário a ADPF-54, entendeu o julgador que o feto anencéfalo, por possuir vida, deve ter seus direitos tutelados.

Para a ministra Cármen Lúcia Antunes Rocha, o STF não está, taxativamente, impondo o aborto do anencéfalo. Segundo a ministra a suprema corte somente responde conforme clama a sociedade e em conformidade com a CRFB.

Com isso, esclarece Cármen Lúcia que o STF apenas está afirmando que a interrupção da gravidez com feto anencéfalo não será passível de pena. De acordo com a ministra, faculta-se à gestante permitir o aborto e lhe garante a autonomia da vontade para preservação da sua dignidade e integridade.

Boa parte da doutrina é conivente com a decisão proferida pelo STF. Para Guilherme de Souza Nucci, no presente caso, o legislador, no Código Penal brasileiro, não reservou o jus puniendi ao Estado. Alimentando a controvérsia, Maria Helena Diniz afirma que a vida, em fase alguma, com a deformação que seja jamais deve ser interrompida.

Sobre o Pacto de San José da Costa Rica, Valerio de Oliveira Mazzuoli et alevidencia que “a locução 'direito ao reconhecimento de sua personalidade jurídica' já induz à ideia de que todo ser humano, independentemente de qualquer condição, já é detentor dessa personalidade”. Com efeito, os direitos da personalidade se consumam no momento da concepção, faltando apenas o momento necessário para que a pessoa, através do seu nascimento, possa corporificar os referidos direitos na condição de titular.

No concernente a dignidade frise-se que sendo um valor-fonte, bem como, condição necessária para ocorrer perfeita correlação entre os seres humanos é também uma componente da personalidade. Nesse sentido, o papel da dignidade foi e é o ponto de referência de todos os direitos que se dirigem ao reconhecimento e afirmação da dimensão moral da pessoa. Isto significa que esse elemento foi estabelecido com a finalidade de conferir razão à existência humana em todas as suas dimensões – especialmente em sua condição primeira ou de nascituro.

Segundo Marcelo Novelino Camargo, a dignidade da pessoa humana não é uma emanação jurídica. A tutela jurídica é uma prerrogativa de proteção inerente do Estado. A dignidade é natural da espécie humana, sendo reservada por lei a proteção coercitiva. Quanto aos destinatários do direito de dignidade, não se exige uma qualificação mínima que seja.

A dignidade por ser parte da personalidade, é também um elemento de reconhecimento jurídico. O direito à vida é uma emanação constitucional que visa garantir um bem anterior ao direito e que a Constituição não poderia ter disposto de outra forma, senão à indisponibilidade e a intangibilidade do direito à vida, por quanto a existência humana é o pressuposto elementar de todos os demais direitos e liberdades dispostos na Constituição. Nesse sentido a vida tem sua garantia resguardada antes mesmo do nascimento, ou seja, o nascituro tem direito de nascer para quanto seu direito de vida seja concreto.

Portanto, o direito à vida é um imperativo, ante a necessidade para todo ser humano iniciar sua jornada de gozo dos demais direitos. Com isso, não há de se ter dúvidas que o anencéfalo, como aquele que está por nascer, sujeito de direitos, tenha a prerrogativa da vida.

Nesse caso, um feto, cuja formação cerebral não é suficiente para viver significativamente extrauterina, deve e tem que ter total proteção tanto da sociedade, como da legislação. Do contrário, estar-se a viver em um ambiente onde o conveniente é o importante, fazendo ressurgir conceitos de preconceito e desprezo.

Não adianta falar em democracia, personalidade e até em dignidade se é negado o próprio uso fruto desses elementos.

No Estado Democrático de Direito, onde começa sua organização política frisando pelo direito à dignidade, deve, desde logo, aprimorar seu ordenamento para consolidar tal princípio a abranger seu primeiro portador, o nascituro. Pois este pode ser titular de tamanho direito inicial, indisponível e inalienável. Daí a necessidade da tutela estatal.

No tocante aos direitos do anencéfalo, a personalidade é o marco no ordenamento jurídico. Seu começo de fato é com o nascimento vivo. E o anencéfalo por nascer vivo tem direito à personalidade real e legal. De toda forma os demais direitos da personalidade estão a salvo, visto a reserva legal dos direitos do nascituro, desde a concepção.

No cerne do direito à vida, todo concebido ganha destaque. Por isso, não há de se olvidar em desprover o anencéfalo de nascer sob nenhum argumento, menos ainda em virtude de uma anomalia, quando deve ter proteção total do Estado e da sociedade.

 

Artigo elaborado sob orientação dos professores Isa Omena Machado de Freitas e Vinicius Pinheiro Marques para participação no primeiro concurso de artigos da União Educacional de Ensino Superior do Médio Tocantins – UNEST.

 

 

Jairo do Socorro dos Santos da Costa

  Graduando do curso de Direito (Faculdade de Ciências Jurídicas de Paraíso do Tocantins), Estagiário (Defensoria Pública do Estado do Tocantins)

djairinho@hotmail.com

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