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Para quê um dia Internacional Não Violência Contra a Mulher e 16 dias de Ativismo pelo Fim da Violência contra as Mulheres?

Publicado em 26/11/2020 09:01
Autor(a): Autor não informado
Para quê um dia Internacional Não Violência Contra a Mulher e 16 dias de Ativismo pelo Fim da Violência contra as Mulheres? - Foto: Autor não informado



* Por Elydia Lêda Barros Monteiro e

Franciana Di Fátima Cardoso Costa


A cada dia que marca um aspecto dos direitos das mulheres, somos levadas a refazer o percurso de lutas contra a violência que marca com sangue nossa história. Com o Dia Internacional de Não Violência Contra a Mulher, 25 de Novembro, instituído pela ONU em 1999 não é diferente.

A data (25.11.1960) rememora a tortura e assassinato das irmãs Pátria, Maria Teresa e Minerva Maribal. As irmãs dominicanas eram conhecidas como “Las Mariposas”, enfrentavam a ditadura Dominicana buscando soluções para problemas sociais e políticos.

Desde então, algumas coisas mudaram, outras nem tanto. Passamos por revoluções tecnológicas, constituição de um mundo em rede, expansão do acesso a informação, mas ainda continuamos sendo agredidas, estupradas, violentadas, torturadas e mortas. Ainda há muito sangue escorrendo em vários cantos do mundo. No Brasil, a cada dois minutos uma mulher é agredida por seus maridos ou companheiros1.

Hoje somos o quinto país no mundo mais violento para uma mulher viver. Segundo os dados do Fórum Nacional de Segurança Pública de 2020, durante a pandemia da covid-19, na maioria dos estados brasileiros, houve aumento do número de estupros, especialmente de crianças, sendo que as maiores vítimas são as meninas negras. Em determinadas regiões também houve aumento da violência doméstica e familiar contra a mulher2.

Nesse contexto, fica a pergunta: por que é tão difícil romper com as práticas violentas contra nossas mulheres e meninas?

A violência não está apenas nos lares e nas relações domésticas, embora as estatísticas apontam para o fato de que o lar é o lugar mais perigoso para uma mulher viver. A violência também está nas instituições que permitem ou praticam assédios em quaisquer de suas modalidades, está nas relações de emprego, nos salários mais baixos do que o dos homens que ocupam o mesmo cargo, está na tripla jornada de trabalho, na desproporção divisão do trabalho doméstico ou ainda se faz presente no espaço público. Tudo isso faz com que a manutenção da vida da mulher seja um ato de resistência diária.

Parece claro que a resposta para a pergunta que se apresenta não é simples. Trata-se, afinal, de uma questão complexa, multifacetada e que exige uma análise crítica que reclama a compreensão de gênero enquanto construção social e histórica.

Entender como se estrutura o capitalismo [3]  a influência do patriarcado [4] e o papel do regime escravocrata é fundamental para nossa análise, principalmente porque todas essas questões perpassam por relações de poder, que, em regra, pressupõe a dominação e violência (privada ou estatal). Ou seja, é um sistema autoritário e violento que objetifica a mulher, que deveria ser nominada, em verdade, violência patriarcal porque fundada em sexismo (HOLLKS; 2018).

Fica, portanto, evidenciado que não há uma resposta simples e pronta sobre por que é difícil romper com as práticas violentas contra as mulheres e meninas no Brasil. Em alguma medida a violência nos constitui e nos estrutura. Ou seja, violência compõe nossa estrutura econômica, social, política e familiar.

Entretanto, esse fato, que pode ser descrito pela sociologia, psicologia social, antropologia, entre outras, não pode nos conformar e silenciar. Atos de violência devem ser repudiados. É também por essa razão que se marcam datas como o Dia Internacional pela Não Violência Contra as Mulheres.

Por isso, datas como essa exige que relembremos que, apesar da situação de violência social e institucional posta, há, na ordem jurídica, a vigência de normas que consagram valores fundamentais como a dignidade da pessoa, a igualdade entre os seres humanos e liberdade não só de ir e vir, mas também de expressão, pensamento e de comportamento. Significa dizer que a estrutura jurídica do Estado que se pretende democrático e de direito precisa reduzir a exposição das meninas e mulheres ao medo e à crueldade, sendo um anteparo contra a tortura, a imposição de sofrimento e dor.

Lutar pelos direitos humanos das mulheres, é, como ensina Boaventura Sousa Santos, a única gramática e linguagem disponível para confrontar as ‘patologias’ de poder.

E dessa forma o Estado é compelido a assumir compromisso com os valores democráticos se obriga a permitir que a vida de cada pessoa seja, em si, um ato de resistência, uma forma de questionar as estruturas de poder excludente, que segrega, que afasta.

Constitui um dever estatal oferecer às meninas e mulheres as condições de segurança para que estas possam desenvolver seus planos de vida de forma autônoma, única, livre.

Trata-se, portanto, de uma data que nos desafia a unir forças e envidar esforços para que as Instituições, Organizações, Sociedade Civil, Movimentos Sociais, Sistema de Justiça, Segurança Pública, Rede de Proteção às Mulheres e cada brasileiro ajam em favor de uma cultura pela não violência.

Nesse sentido, a ONU-MULHER instituiu os 16 dias de Ativismo pelo Fim da Violência contra a Mulher, que se inicia no dia 25 de novembro – dia Internacional da Não Violência Contra a Mulher – e encerra no dia 10 de dezembro, Dia Internacional dos Direitos Humanos.

Se não é possível conceber Direitos Humanos sem disputas seja no campo argumentativo, seja no tensionamento das práticas sociais e políticas diárias, é necessário reconhecer que, a superação da violência contra as mulheres e meninas exigirá de cada um de nós, homens e mulheres, a comunhão de esforços para dizer BASTA!


Elydia Lêda Barros Monteiro é defensora pública no Estado do Tocantins; mestranda em Novos Direitos, Novos  Sujeitos (UFOP)

Francina Di Fátima Cardoso é defensora pública do Estado do Tocantins; coordenadora do Núcleo Especializado de Promoção e Defesa da Mulher;  mestre em Prestação Jurisdicional e Direitos Humanos (UFT/ESMAT)



[1] https://www.correiobraziliense.com.br/brasil/2020/10/4881286--a-cada-2-minutos-uma-mulher-e-agredida-no-pais.html

[2] https://forumseguranca.org.br/estatisticas/

[3] “O que é menos amplamente compreendido é que sociedades capitalistas também são, por definição, a origem  da opressão de gênero. Longe de ser acidental, o sexismo está entranhado em sua própria estrutura." (ARRUZZA, BHATTACHARYA & FRASER; 2019, p. 57)

[4] "patriarcado representa a estrutura que organiza a sociedade, favorecendo uns e obrigando outros a se submeterem ao grande favorecido que ele é, sob pena de violência e morte" (TIBURI; 2018, p. 59).


REFERÊNCIAS:

ARRUZZA; Cinzia; BHATTACHARYA, Tithi; FRASER; Nancy. Feminismo para os 99%: um manifesto. Trad. Heci Regina Candiani. São Paulo: Boitempo, 2019

HOOLKS, Bell. O feminismo é para todo mundo: políticas arrebatadoras. Rio de Janeiro: Rosa dos tempos, 2018.

SANTOS, Boaventura de Sousa. Se Deus fosse um ativista de direitos humanos. 2ª edição. São Paulo: Cortez, 2014

TIBURI, Márcia. Feminismo em comum para todas, todes e todos. Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos, 2018





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