edit Editar esse Conteúdo

Subfinanciamento de políticas públicas essenciais

Publicado em 03/04/2018 09:26
Autor(a): Autor não informado
Arthur Pádua é coordenador do Núcleo de Defesa da Saúde da DPE-TO - Foto: Loise Maria / Ascom DPE

Por Arthur Pádua*


Há anos o Sistema Único de Saúde (SUS) vem sofrendo retaliações de toda ordem e quase sempre em grande monta. No âmbito federal a famigerada Emenda Constitucional (EC) 86 vem para tentar dilacerar o que já não anda bem e foi prontamente atacada pelo Ministério Público Federal (MPF) em sede de Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5595 e seus efeitos suspensos pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

No Tocantins, a gestão estadual propõe medidas de corte de recursos, seja oficialmente através de contingenciamentos contra a lei e a Constituição, seja através compras de serviços sem planejamento, fomentando a judicialização, ou ainda por fatos não oficiais decorrentes da corrupção, compras com sobrepreço, desorganização na gestão e falta de investimento.

Sobre o primeiro ponto, vale a pena relembrar os famigerados e inconstitucionais decretos do Executivo (5612/17; 5644/17; 5683/17 e 5743/17), publicados pelo governador do Estado,onde contingenciam o orçamento de maneira geral, sem se ater as proibições constitucionais e legais normatizadas em nosso ordenamento jurídico. Veja que a Constituição Federal e o art. 9º da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF)  não dão margem a interpretação diversa: É vedado contingenciar ou limitar os recursos de saúde e educação.

Registre-se que a proibição de redução do orçamento tem como parâmetro as necessidades da população e não apenas o percentual previsto como gasto mínimo em saúde. Anoto que quando a Constituição Federal disciplina a matéria, impõe um mínimo de investimento e não o máximo. Disso decorre a interpretação lógica de que, quando o Estado, diante de suas necessidades em saúde, aplica 18% ou 20% do seu orçamento em saúde, esse percentual não pode ser reduzido pela vontade do senhor eleito, sob pena de afronta aos dispositivos citados.

Noutro giro, outra forma de subtrair recursos da saúde e, consequentemente, diminuir o âmbito de oferta de serviços do SUS ao cidadão que dele necessita, é ausência de responsabilidade na escolha de onde colocar o dinheiro público e isso ocorre tanto no âmbito estadual quanto municipal.

No município de Palmas, a atual gestão, apesar de promover gestão positiva em vários setores, vem praticando atrocidades com o dinheiro público. Faltam inúmeros serviços da rede de atenção a saúde como alguns exames, especialidades, serviços da rede de álcool e drogas e quase sempre a desculpa é que estão aguardando recursos da União ou porque falta dinheiro.

É exatamente a mesma desculpa esfarrapada que o cidadão não pode acreditar que vem sendo dada no âmbito da educação municipal, onde cerca de duas mil crianças estiveram sem escola esperando construção de Centros Municipais de Educação Insfantil (Cmeis).

E onde reside a atrocidade orçamentária que é a origem da desculpa esfarrapada? Sob o prisma constitucional, reside na opção do gestor em planejar e impor gastos excessivos com políticas e serviços de menor relevância e importância. É costumeiro, quando da leitura das leis orçamentárias, verificarmos milhões em gastos com publicidade e propaganda, buffets, eventos, carnaval, tendas e gerador de energia justamente em um momento que a crise nos assola e assola a vida de muitas famílias que precisam de tratamentos adequados na área da saúde, ou famílias que precisam de escolas para educar seus filhos.

No que diz respeito ao Estado, todos os dias temos informações em processos judiciais no sentido de que os pagamentos estão atrasados. Não se investe em Unidades de Tratamento Intensivo (UTIs) nos hospitais e, consequentemente, faltam UTIs e pessoas vão a óbito antes de acessar a vaga.

Pacientes com câncer esperando em fila com pré-operatório realizado há cinco anos e a justificativa, entre outras, é falta de recurso. Crianças sofrendo ou morrendo esperando transferência para outro Estado (ano passado quase todos foram pro Rio de Janeiro onde só com UTI tem-se o dobro do custo, caso o encaminhamento fosse para Goiânia) porque não investiram nos serviços de cardiopatia congênita por aqui. E quase sempre a alegação é de falta de recursos.

Ora! Falta dinheiro para garantir tratamentos dignos e não falta para eventos do governo, para manutenção da casa do Governador ou para fretamento de aeronave sem necessidade; não falta dinheiro para publicidade de inauguração de leitos em horário nobre, não falta dinheiro para emendas parlamentares destinadas a institutos de existência questionável e sem nenhum perfil, não falta dinheiro para pagar os contratos de locação superfaturados; não falta dinheiro para pagar prestadores de serviços que são “amigos do rei”. Um verdadeiro contrassenso!

No âmbito municipal, em Palmas, apesar da regularidade e boas políticas públicas implantadas nos últimos anos, falta recursos para saúde e muitas crianças estão sem escolas. Por outro lado, não falta dinheiro para carnaval, eventos desnecessários, gastos exagerados com tendas e gerador de energia onde se planeja gastar R$ 55,6 milhões, gritantes exageros no âmbito da Fundação Municipal de Esportes já identificados pela Polícia, esquemas investigados pela Polícia Federal (PF) em relação as obras do BRT; patrocínio de filme no Estado do Rio de Janeiro com dinheiro da Fundação Cultural, eventos, publicidade e propaganda e buffets.

Muito além e bem mais grave do que os mencionados gastos excessivos e desnecessários se analisarmos do ponto de vista humanitário, é assistir prefeito e secretários dizerem que não têm dinheiro para pagar escola na educação infantil (creches e cmeis) através de bolsas na rede privada de ensino, porém o município torra milhões em tendas, sendo facilmente identificável o disparate: 20% ou 11.120.000,00 (onze milhões) do planejado gasto com tendas e gerador de energia para eventos, daria para pagar educação infantil para cerca de 2,5 mil crianças durante um ano, se considerarmos um valor de mensalidade médio de R$ 350 a R$ 400.

Veja que estamos cercados de pessoas “sem noção” do conceito de humanização, educação e acesso a serviços de saúde. Nossos gestores preferem o povo sem educação, com acesso limitado, muitas vezes precário, aos serviços de saúde, do que planejarem um orçamento que atenda ao interesse público coletivo ao invés de atender apenas a contratos com sobrepreços e com serviços não essenciais que o povo pode até gostar, mas que não devem ser prioridade em uma sociedade democrática que padece com falta de serviços essenciais e com a malversação dos recursos públicos, inviabilizando o fortalecimento da pessoa, a fim de que possa se educar e trabalhar em prol do sustento próprio e de sua família.

Friso que o orçamento é único, os recursos públicos vem de fontes pré definidas e a escolha de gastar mal tem sido vontade dos governantes (quase todos reús em inquéritos, ações penais e ações de improbidade) e do poder legislativo que termina aprovando orçamentos absurdos de gastos supérfluos e, muitas vezes, praticam a mesma ideia.

Parafraseando o velho sertanejo que já se foi: “quando estamos apertados, com pouco dinheiro, devemos garantir os pagamentos de saúde e educação dos integrantes da família e deixar as festas, eventos, viagens, passeios, para outro momento”. Fato é que essa ideia não é seguida pelos gestores tocantinenses, quando deveria ser.

Prosseguindo, forçoso pontuar que cenário é realmente preocupante, vez que os gestores querem que o povo entenda como normal um paciente com câncer ficar cinco anos esperandopara ser operado e uma criança fique três anos aguardando vaga para poder estudar e o subfinanciamento vem de todos os buracos.

Em conclusão, no desempenho de nossas funções na defesa da população no afã de garantir cidadania e humanização, é muito triste e ao mesmo tempo revoltante, assistir esse modelo de opção política implementado no Brasil e em especial, no Tocantins. O resultado disso é trágico, pois assistimos pessoas públicas com poder de gestão e alguns de seus sócios ou laranjas, se enriquecerem em pouco prazo, com patrimônios vultuosos, quase sempre inseridos no contexto da lavagem de dinheiro, e que nenhum cidadão com o mais alto salário do Brasil conseguiria ter.

Noutro giro está o cidadão vulnerável e hipossuficiente, que depende do SUS e da educação pública, aquele que recebe um salário mínimo (fator que o impossibilita de arcar com gastos em saúde e educação) e não consegue acesso a serviços eficientes e de qualidade em razão da irresponsabilidade na distribuição do dinheiro público, justamente no momento que ele mais precisa (educação e se manter vivo).


* Arthur Luiz Pádua Marques
é defensor público no Estado do Tocantins, coordenador do Núcleo de Defesa da Saúde (Nusa) da Defensoria Pública do Estado do Tocantins (DPE-TO) e coordenador da Comissão Especial de Saúde da Associação Nacional dos Defensores Públicos (Anadep.



keyboard_arrow_up