Por meio do projeto Defensoria na Aldeia, a Defensoria Pública do Estado do Tocantins (DPE-TO) realizou o atendimento jurídico de mais de 60 famílias do povo Xerente no município de Tocantínia, localizado a 85 quilômetros de Palmas. A ação foi realizada na última sexta-feira, 29, nas dependências da Escola Indígena Waikarnãse, na aldeia Salto Kripre, contemplando, ainda, os moradores das aldeias circunvizinhas Aldeia Nova, Angelim, Mata do Coco, Porteira, Recanto e Varjão.
Esta foi a primeira edição do “Defensoria na Aldeia”, projeto criado pelo Núcleo Especializado de Defesa dos Direitos Humanos (NDDH) da DPE-TO com o objetivo de garantir assistência jurídica integral, gratuita e de qualidade à população indígena que reside em locais distantes das sedes da Defensoria Pública, atendendo a este público a partir da identificação das demandas que possuem.
O maior número de demandas atendidas foi o de retificação de registro civil, passando pelo reconhecimento de paternidade, revisional de pensão alimentícia, dentre outras, como benefícios previdenciários e assistenciais do governo federal, contando, para casos assim, com a atuação da Defensoria Pública da União (DPU).
Cacique da aldeia Salto, Valci Sinã destacou a importância do Projeto. “Eu tenho dito, em todas as oportunidades, que todas as ações e benefícios que são trazidos para dentro da comunidade são sempre muito bem-vindas porque os atendimentos alcançam idosos, mães de família e outros que têm dificuldade de se locomover para as cidades para ser atendidos. Então, quando acontece este tipo de ação é muito importante e a nossa comunidade agradece demais esta atenção”, enfatizou o cacique Valci.
Coordenador do NDDH, Neuton Jardim dos Santos, um dos defensores públicos responsáveis pelo atendimento aos assistidos, ressaltou que o saldo da ação foi positivo. “O evento foi muito produtivo porque conseguimos estar no território Xerente atendendo a sete aldeias, passando pelas mais variadas demandas, inclusive por meio da fundamental parceria com a DPU. Dado o número de assistidos, podemos dizer, com tranquilidade, que a primeira edição do “Defensoria na Aldeia” regulamentada como projeto foi muito proveitosa; nós tivemos êxito e, seguramente, vamos buscar aprimoramento para as edições subsequentes, havendo previsão de ocorrer a próxima já neste segundo semestre de 2018”, destacou o Defensor Público, que agradeceu, ainda, à Fundação Nacional do Índio (Funai), na pessoa da promotora social Raimunda Makuxi, e ao Serviço Social do Comércio (Sesc) pela parceria ao levar brinquedos infláveis para que as crianças e jovens das aldeias pudessem se divertir durante a ação.
DPE em Tocantínia
Uma das idealizadoras do “Defensoria na Aldeia” e defensora pública responsável pela unidade da DPE em Tocantínia, Isabella Faustino não escondeu a felicidade por ver o projeto em prática e colocou a Instituição à disposição dos indígenas da região. “Estou muito feliz por conhecer a Salto. Eu atendo a indígenas desta região quase diariamente, mas ainda não tinha tido a felicidade de vir até esta aldeia antes. A gente sonha com este projeto há bastante tempo. Antes, fazíamos as ações nas aldeias de forma itinerante; mas, agora, estabelecemos, com base nas experiências anteriores, o Defensoria na Aldeia como um projeto permanente. E me deixa ainda mais satisfeita pelo Defensoria na Aldeia começar por aqui, na comarca de Tocantínia. Aproveito para dizer que a Defensoria em Tocantínia está à inteira disposição de todos daqui; qualquer dúvida jurídica em relação à saúde, aos direitos dos filhos que possuem, a registros, qualquer dúvida mesmo, nós estamos de portas abertas para recebê-los”, convidou a Isabella Faustino, que coordenava o NDDH quando o Defensoria na Aldeia foi formalizado como projeto proposto.
Orgulho Xerente
Liderando a lista de demandas, a retificação de registro civil envolveu não só a correção da forma escrita dos nomes indígenas de cidadãos Xerente, mas, principalmente, a inserção do nome da etnia na cédula de identidade.
Professor do 5º ano do Ensino Fundamental da Escola Indígena Waikarnãse, Lucas Simãmrmewaicõ procurou a Defensoria para inserir o nome Xerente na própria identidade, ressaltando que se orgulha de ser indígena. “É muito importante ser reconhecido como indígena; eu sentia falta de ter o Xerente na minha identidade porque as pessoas questionavam se eu era índio mesmo. Quando o cacique falou para gente que ia ter esta ação aqui, eu quis aproveitar para deixar a minha identidade certinha. Nós somos cidadãos como todo mundo e temos o direito de ter o nome do nosso povo na carteira também e mostrar o orgulho de ser Xerente”, afirmou Lucas Xerente.
De acordo com o defensor público Daniel Gezoni, faz parte do direito da pessoa ter no registro a origem que possui. “Nossa principal demanda foi a retificação do registro civil para incluir o nome indígena e a etnia. Isso é importante para o índio. Um ato de reconhecimento e respeito às suas origens. Em ações assim, a Defensoria se engrandece enquanto instituição promotora dos direitos humanos e se aproxima daqueles que mais precisam. A comunidade indígena pode sempre contar com a mão amiga da Defensoria”, disse o Defensor.
Projeto diferenciado
Defensora pública federal, Camila Cirne elogiou o projeto da DPE-TO, ressaltando que desconhece a existência de alguma iniciativa semelhante nos outros Estados do Brasil. “Nós recebemos o convite e ficamos muito felizes por saber que existe este projeto tão bem estruturado, deste atendimento indígena sistematizado e diferenciado, que é super-salutar. Eu, particularmente, não conheço projeto semelhante no País, porque é uma ação que virá a contemplar todas as etnias do Tocantins. Por isto, nós, da DPU, temos muito interesse em seguir participando; é importante estarmos em todas as edições para atendermos às demandas ligadas a benefícios previdenciários e assistenciais. A Defensoria Pública da União já se coloca à disposição para isto”, reforçou a Defensoria Pública Federal, que atua em Maceió e atendeu a casos como pretensões de recebimento de salário maternidade rural, aposentadoria por idade e tempo de contribuição e de pensão por morte para os cônjuges.
Origem do Projeto
Coordenadora do NDDH à época que o “Defensoria na Aldeia” começou a ser idealizado, a defensora pública Elydia Monteiro revelou qual foi a motivação inicial para a criação do projeto. “Quando eu assumi o NDDH, em 2013, nós tínhamos algumas demandas de atendimento nas aldeias que vinham da Funai. Elas, inicialmente, eram de retificação do registro civil de nascimento ou casamento; mas, como era muito recente a orientação específica estabelecida pelo CNJ [Conselho Nacional de Justiça] sobre esta possibilidade, isto tornava esta ação, recorrentemente, um procedimento judicial. E os assistidos queriam esta retificação porque estávamos em um bojo de políticas de inclusão e políticas afirmativas em que estes registros eram uma prova importante para que se tivesse acesso a alguns benefícios e serviços públicos”, explicou a Defensora Pública.
Em seguida, ainda conforme Elydia Monteiro, o desafio foi estabelecer uma forma de atuação que respeitasse as particularidades dos povos assistidos em conciliação com as práticas jurídicas. “A medida que íamos atendendo a estes povos dentro dos gabinetes, nós verificávamos a importância de levar o atendimento para dentro da comunidade deles; mas precisávamos nos debruçar para a construção de um modo de atuação que não viesse apenas trazer informações, mas que permeasse este diálogo dos dois saberes, do saber dos índios, da forma de organização deles com o direito não-indígena, que a gente já conhece. Esta foi um primeiro passo importante para estabelecermos uma rotina mais ativa, mais inclusiva e mais proveitosa para os dois, o que é o nosso grande objetivo”, destacou Elydia.
Indígenas do Tocantins
No Tocantins, os indígenas representam 0,9% do total da população, levando o Estado à 7ª posição no ranking de indígenas por unidade da federação, conforme dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas (Inep).
A iniciativa do NDDH oferecerá atendimentos coletivos e individuais realizados em territórios indígenas, nos quais os Assistidos e a equipe terão a oportunidade de ampliar o conhecimento em casos práticos, bem como conhecer outras realidades sociais.
A população indígena tocantinense representa 1,6% do total da população autodeclarada indígena do País, contando com 13.131 pessoas, subdivididas nas etnias: Karajá, Kanela, Xambioá, Javaé, Xerente, Krahô, Krahô Kanela, Apinajé e Avá Canoeiros.